Foucault começa seu “A ordem do discurso” falando de um certo desejo e medo que surgem perante ao discurso. Desejo de não ter de fundar um começo, de não se ver como inserido e ativo na constituição do deste. À esse desejo, fundado num medo, as instituições oferecem uma alternativa: um discurso pronto, da ordem das leis, cujo poder advém das próprias instituições.
O autor localiza um conjunto de procedimentos externos (“procedimentos de exclusão”) com função de organizar e redistribuírem a produção dos discursos. O primeiro deles é a interdição, que tem como exemplos o tabu do objeto, o ritual da circunstância e o direito do sujeito que fala. Em nossos dias, os locais nos quais ela mais atingem e se multiplica são os da sexualidade e da política. E é nessa intervenção que ela revela o desejo e o poder que se ligam à esses discursos.
Um outro princípio de exclusão é a separação e a rejeição. Para ilustrar esse procedimento Foucault relembra a oposição entre razão e loucura existente na Idade Média. A voz do louco, por um processo de exclusão ou de investimento de razão (divinização talvez?), não existia. “Era através de suas palavras que se reconhecia a loucura do louco”, sua voz, portanto, era o lugar onde se exercia a separação. Foucault nos alerta que apesar de exaltarmos a superação desta visão, a velha separação continua vagando entre os indivíduos: “a separação, antes de estar apagada, se exerce de outro modo.” E é aí que pensamos nas redes de instituições que penetram e legitimam as relações entre os que ouvem os pacientes e aos que trazem ou retêm as palavras. E mesmo que se argumente sobre um discurso enfim livre, “é sempre na manutenção da censura que a escuta se exerce.” As instituições mudam, os efeitos permanecem os mesmos.
O terceiro princípio diz respeito à vontade de verdade, o verdadeiro e o falso que age de forma histórica e institucionalmente constrangedora. O autor diz respeito a uma divisão histórica, ocorrida na Grécia Antiga (séc. VII), quando a verdade se desloca do ato ritualizado de enunciação para o enunciado ele próprio, para seu sentido, forma e objeto. É aqui que ele fala de uma “enxotação do sofista”. A partir de então, acreditou-se que o discurso verdadeiro como não sendo nem mais o precioso e desejável, nem mais ligado ao poder. Essa divisão estabelecida, entre o discurso verdadeiro e o discurso falso deu forma à nossa vontade de saber.
A partir de então “tudo se passa como se, a partir da grande divisão platônica, a vontade de verdade tivesse sua própria história, que não é a das verdades que constrangem...” Essa vontade de verdade se apóia sobre um suporte institucional, sendo reforçada e reconduzida por um conjunto de práticas e pelo “modo como o saber é aplicado à sociedade, como ele é valorizado, distribuído, repartido e de certo modo atribuído.” Auxiliada por este suporte, a vontade de verdade exerce um poder de coerção sobre os outros discursos, que recorrem a ela pedindo autorização e legitimação.
Este último procedimento há séculos tende a se reforçar orientando a direção dos dois outros sistemas de exclusão, modifica-os e fundamenta-os. Estes, por outro lado, se tornam cada vez mais frágeis, sendo atravessados pela vontade de verdade.
Após tal discussão Foucault trás a tona procedimentos que submeteriam uma outra dimensão do discurso: a dimensão do acontecimento e do acaso. São os chamados procedimentos internos e atuariam segundo princípios de classificação, ordenação e distribuição.
Haveria um suposto “desnivelamento” entre os discursos, teríamos de um lado os discursos fundamentais ou criadores e de outro os corriqueiros, os que “repetem, glossam e comentam”. Porém esses locais são incorporados por uma dinâmica na qual os textos maiores podem se confundir e desaparecer e os comentários podem tomar o primeiro plano. Diante disso, Foucault ressalta que “embora seus pontos de aplicação possam mudar, a função permanece...”
O fato do texto primeiro possuir todas suas características definidores, como sua permanência, seu estatuto de discurso sempre reatualizável, o sentido múltiplo ou oculto e etc, funda a possibilidade aberta de falar, a partir disso, o comentário permite construir novos discursos. É chamando o papel do comentário de “solidário” que Foucault afirma que este só possuiria o papel de “dizer enfim o que estava articulado silenciosamente no texto primeiro.” O comentário tece o novo pela repetição, referindo ao texto mesmo as honras dessa possibilidade.
Por [Grupo Foucault UFPE]