In: Mark KELLY. The Political Philosophy of Michel Foucault. Capítulo: “Epistemology”, Seção: “Happy Positivism”, p. 25-27.
A postura de Foucault frente ao saber/linguagem/discurso equivale ao que ele chama de seu “positivismo”. Este não é obviamente um positivismo “no sentido normal da palavra” (SD 9); Foucault rejeita o positivismo nesse sentido, afirmando em As Palavras e as Coisas que o positivismo é indissociável de uma escatologia (OT 320). Ainda, o que Foucault entende ser o “sentido normal” de “positivismo” não é o que normalmente entendemos por esta palavra. Na academia anglófona, estamos acostumados a ver “positivismo” como abreviação de “positivismo lógico”, isto é, o empirismo lógico, mas o positivismo tem uma história muito maior do que este notório momento na filosofia do século vinte. A primeira filosofia a chamar a si mesma de positivista foi a escola francesa de pensamento social do século dezenove de Auguste Comte e Saint-Simon, que naturalmente era muito mais conhecida na França na metade do século vinte do que o positivismo lógico. O uso do termo “positivismo” pelos empiristas lógicos foi baseado certamente na similaridade com aquela escola anterior- o tema comum de todos os positivismos é basear a filosofia sobre um modelo de investigação encontrado na ciência natural. Como vimos, nesse sentido, Foucault claramente é positivista. Contudo, seu positivismo difere grandemente de qualquer variante anterior.
Foucault foi acusado de positivismo num artigo de 1967 no Les Temps Modernes a propósito dele intiulado “Um Positivista Desesperado” (Le Bon 1967; ver Macey 1933, 176), apenas um dos artigos deste jornal que atacavam o novo livro de Foucault, As Palavras e as Coisas. “Positivismo” é aqui contraposto ao historicismo dialético do marxismo, a posição privilegiada pelo Les Temps Modernes naquele tempo. Contra as alegações de desespero, Foucault proclamou seu “positivismo feliz” Em A Arqueologia do Saber, Foucault (AS 164-65) declara, “Se substituir a busca das totalidades pela análise da raridade, o tema do fundamento transcendental pela descrição das relações de exterioridade, a busca da origem pela análise dos acúmulos, é ser positivista, pois bem, eu sou um positivista feliz , concordo facilmente”22.Esta
declaração que se inicia aqui como uma réplica, é transportado para o seu projeto genealógico, com Foucault (OD 72) proclamando na “Ordem do Discurso”, “o humor genealógico será aquele de um positivismo feliz”23. Esta frase tem o óbvio aroma da “gaia ciência” de Nietzsche.
declaração que se inicia aqui como uma réplica, é transportado para o seu projeto genealógico, com Foucault (OD 72) proclamando na “Ordem do Discurso”, “o humor genealógico será aquele de um positivismo feliz”23. Esta frase tem o óbvio aroma da “gaia ciência” de Nietzsche.
Numa conferência em 1978, Foucault descreve a “ciência positivista” como aquela que “basicamente tem confiança em si mesma, até quando se mantém cuidadosamente crítica de cada um de seus resultados” (PT 37). É exatamente ensse sentido, enxergando si mesmo como herdeiro da tradição crítica, que Foucault é ele mesmo um positivista. É do que eu acuso Derrida de ter em ultima instancia fracassado em fazer, posto que por as coisas sob rasura é precisamente não ser confiante nelas em absoluto.
Isto também faz do positivismo de Foucault o pólo oposto do positivismo lógico (cf. Turetzky 1989, 154), o positivismo lógico demanda a verificação de todos os enunciados, e recusa assentir proposições que não sejam cientificamente provadas, condenando-as como sem significado, ao passo que Foucault admite como sua primeira premissa que todas as proposições são violências contra as coisas, e que, portanto o que é necessário é coragem em face da indeterminação da linguagem face às coisas, continuando a impulsionar novos conceitos que sabemos que nunca serão em última instância inteiramente “corretos”. O positivismo de Foucault não é contudo o pólo oposto do positivismo de Auguste Comte. Como Vincent Descombes (1980, 110) explica, “Foucault vem da escola positivista francesa, para os quais a filosofia é uma função da história dos conceitos trabalhando em várias áreas de especialização”. O positivismo de Comte era uma filosofia da história, da história das déias, que procurou o padrão da história; antes de conceber a filosofia, como o positivismo lógico fez, como um discurso metacientífico que assegura a verdade científica, o positivismo comteano tentou fazer a própria filosofia uma disciplina científica, empírica. Foucault está na “longa tradição de filósofos franceses de Comte à Duhem, de Bachelard à Althusser” (Dreyfus 1987, xi) e Canguilhem, uma tradição de “realismo científico” (Dreyfus 1987, x), que confere um valor ao conhecimento científico natural superior àquele conferido a outros tipos de conhecimento. Esta herança em Foucault é geralmente negligenciada.
Isto parece contradizer nossa epistemologia, na noção da realidade como caótica, o que parece impossível de adequar-se a um respeito pelas descobertas científicas. Como Descombes (1980, 116) coloca, “Por um lado, a abordagem de Foucault é a de um positivista... Ainda, por outro lado, Foucault como leitor de Nietzsche não acredita na noção positivista de fato”. Descombes (1980, 117) assim afirma que o trabalho de Foucault equivale a nada mais que “um constructo sedutor, cujo jogo de referências cruzadas eruditas empresta um ar de verossimilhança”. A acusação aqui é aquela clássica do paradoxo relativista: o relativista diz que a verdade é relativa, mas então este enunciado é ele mesmo relativo – ele então não pode
ter certeza disso. O positivismo feliz foge a esta crítica, entretanto, porque afirma a necessidade de apresentar enunciados indeterminados em vista da impossibilidade da plena determinação. Não é preciso a ressalva de que ele não é como as coisas realmente são, desde que não pode haver descrição que se apegue às coisas como elas realmente são. “É que o saber não é feito para compreender, ele é feito para cortar”, como diz Foucault (EW2 380).
ter certeza disso. O positivismo feliz foge a esta crítica, entretanto, porque afirma a necessidade de apresentar enunciados indeterminados em vista da impossibilidade da plena determinação. Não é preciso a ressalva de que ele não é como as coisas realmente são, desde que não pode haver descrição que se apegue às coisas como elas realmente são. “É que o saber não é feito para compreender, ele é feito para cortar”, como diz Foucault (EW2 380).
A clássica denúncia de Charles Taylor (1984, 162ff.) de que Foucault seria repelido pelo nietzscheanismo em fazer julgamentos de valor não faz sentido: o nietzscheanismo diz para você audaciosamente estabelecer seus próprios valores. Na medida em que a análise de Foucault é seca, e objetivista, não fazendo julgamentos, é devido precisamente à influência não-nietzscheana do cientificismo francês, combinado à influência nietzscheana de fazer um positivismo alegre: Foucault combina o objetivismo do estruturalismo francês e o positivismo com uma justificação nietzscheana à luz da compreensão dos problemas do objetivismo levantados por Nietzsche, que significa que Foucault não é nem inteiramente positivista, nem completamente nietzscheano. Numa entrevista em 1967, Foucault diz a seu entrevistador que ele foi puxado em duas direções no início de sua carreira, por um lado “a paixão por Blanchot e Bataille, e do outro lado o interesse que eu nutria por certos estudos positivos, como aqueles de Dumézil e Lévi-Strauss” (RC 98). É perfeitamente claro que o segundo interesse corresponde ao estruturalismo, e a Canguilhem, e o primeiro a Nietzsche, Foucault “leu [Nietzsche] por causa de Bataille, e Bataille por causa de Blanchot” (EW2 239).
Por [Grupo Foucault UFPE]
OBS: As citações continuam na abreviatura em língua inglesa, então OT (The Order of the Things) = As Palavras e as Coisas; SD (Society Must be Defended) = Em Defesa da Sociedade, etc.
OBS2: A forma atual da tradução é provisória, não foi revisado do ponto de vista da ortografia.